domingo, 5 de abril de 2009

Entrevista com o Juiz da Vara da Infância e Juventude Exmo. Sr. Dr. José Donizeti Franco

FADIVA – Faculdade de Direito de Varginha
1° Ano A – Noturno
Trabalho de Psicologia
Entrevista com o Juiz da Vara da Infância e Juventude
Exmo. Sr. Dr. José Donizeti Franco



O texto abaixo foi transcrito da entrevista feita com o Exmo. Juiz de Direito, Dr. José Donizeti Franco, da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Varginha, que muito gentilmente e com muita atenção nos atendeu, alunos do 1° ano de Direito da FADIVA.
Trata-se de um texto informal, com algumas pequenas adaptações, destinado única e exclusivamente aos alunos, apenas para enriquecimento dos estudos, e que não poderá ser divulgado de qualquer forma, sem o consentimento e sem a devida autorização.


A) Como evoluiram historicamente as políticas para a criança e o adolescente no Brasil?

Bem eu acredito que, não seria uma pergunta pra uma resposta tão rápida, mas, na verdade, de modo objetivo, nós podíamos dizer que a evolução das questões afetas da criança e adolescente no Brasil, não é diferente a evolução histórica, cultural, econômica e social do próprio Brasil, da própria nação. Porém é importante dizer que, há um marco, me parece interessante pra esta questão histórica, relativa aos direitos dos menores, que a partir do código de menores de 1979, ou seja, no ano de 1979, foi aprovada uma lei, e ali estabelecidas regras gerais para aplicação para o campo dos menores. Mas, naquele ano, nós ainda estávamos sob a égide da Constituição anterior a de 88, e que não tinha previsão da maneira que existe na nossa atual constituição. Por isso o Código de 79 apesar de sua boa intenção, de ter sido um passo consideravelmente importante para a proteção dos interesses indisponíveis, diga-se de passagem, da criança e do adolescente, não atingiu todos os sentidos necessários. Daí quando entra em vigor a constituição de 88, a situação se modifica. Pois, a partir do art. 226 da Constituição, o constituinte tratou da família, da criança, do adolescente, e estabeleceu princípios dos mais importantes, dos mais abrangentes, inclusive um deles que é bem conhecimento hoje, chamado de princípio da proteção integral ao adolescente, a constituição estabeleceu que a família, o Estado e a sociedade, este trinômio, são todos co-responsáveis por zelar quanto aos interesses de crianças e adolescentes. Então a partir disso, vieram políticas cada vez mais melhoradas, no sentido de se atender os interesses dos menores. E como forma de regulamentar e de particularizar os princípios constitucionais que tratam da idéia da proteção integral da criança e do adolescente, surge o ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente, no ano de 1990. Uma das legislações, ou uma das leis mais aperfeiçoadas e melhores que o próprio planeta conhece.
Nós sabemos que historicamente, em termos legislativos, temos o Código de Menores de 79, a Constituição de 88, que é um marco realmente histórico a respeito da criança e do adolescente, e o ECA (Estatudo da Criança e Adolescente), que vem regulamentado esta, ou seja, estes princípios constitucionais. Ao lado disso, é claro, vieram as políticas propriamente ditas. Estamos falando de uma política legislativa até aqui. Também as políticas governamentais que nós conhecemos todas elas, que vieram por conta da Constituição de 88. E na sequencia o ECA, que foi um passo dos mais interessantes, dos mais importantes.


B) O que é o Estatudo da Criança e do Adolescente?

Bem, nós já nos antecipamos um pouco, porque o Estatudo da Criança e do Adolescente, conhecido amigavelmente como ECA, é a legislação ordinária que regulamentou a Constituição Federal de 88, a respeito dos princípios constitucionais, basicamente, especialmente o da proteção integral. É uma legislação das mais avançadas. Temos regras processuais, recursos, a observância da constituição na questão da ampla defesa, dos recursos à ela inerentes, todos estão albergados pelo estatuto. Há previsões, que a gente chama, do aspecto de jurisdicizar. Ou seja, de transformar os direitos da criança e do adolescente, não em algo dependente da atuação da jurisdição do juiz do, do estável juiz. E o que isso quer dizer? É que antes do ECA, as questões afetas a esta categoria de pessoas, os menores, eram tratadas no âmbito do direito administrativo, ou seja, como questões administrativas.
Não se reconhecia, apesar da constituição atual cuidar do assunto, a idéia de direito, principalmente no campo de processos. Hoje se o menor comete um ato infracional, ele não pode ser processado sem a devida defesa. Ele deve contar com o advogado, defesa técnica. Ele tem direito a recursos e uma série de outros diretos, que passaram a ter que sujeitar-se ao princípio da jurisdição. Não é algo meramente administrativo, onde o juiz então, mandava, dizia que era daquela forma, sem o respeito adequado a princípios processuais, que hoje estão obrigatoriamente postos a ser obedecidos pelo ECA.
O Estatuto prevê princípios processuais, uma série de regras. Prevê também o aspecto estrutural para cumprimento das medidas estabelecidas por ele. Que são as medidas sócio-educativas, as medidas protetivas.
Mas, surge então um problema, que não é do ECA. É um problema da estrutura para a execução das medidas, apesar dele ser uma lei avançada, uma lei das mais modernas, aplicadas pelo Judiciário Menorista, o Judiciário da Infância e Juventude. A estrutura é frágil, das mais frágeis. Nós não temos, no campo de atos infracionais, estabelecimento adequado. Temos praticamente um, ou dois no Estado de Minas Gerais. Daí improvisam-se celas especiais, e outras situações de cadeias públicas no campo infracional. E mesmo acontece também no caso dos abrigos. Nós temos muita dificuldade quanto a estrutura, e esta estrutura para aplicação do ECA não é feita pelo Judiciário. O Judiciário não tem verba, não tem orçamento para este propósito. Elas tem que ser cuidadas pelo Executivo. E aí convém registrar que é um defeito ainda considerável: o ECA é muito bom, mas a estrutura para aplicação do ECA é ainda extremamente defeituosa.
Deveria o Legislativo, o Congresso Nacional, o Executivo com suas verbas e orçamentos, criar órgãos locais e adequados para o cumprimento do ECA.


C) Quais são os direitos fundamentais das crianças e adolescentes exigíveis pelo Estatuto?

Na verdade o Estatuto, por paradoxal, ou por estranho que possa parecer, ele fez com que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, fossem iguais a qualquer ser humano. Sempre foram, mas não eram reconhecidas de maneira expressa, como o ECA o faz. O direito a vida, direito a liberdade.
Veja que as pessoas denunciam: “-Doutor, tem menor que está na rua, até de madrugada.” Bem, se o menor está na rua até de madrugada, mas não está alterando a ordem pública, não está cometendo infração penal, ele têm o direito de ir e vir tanto quanto qualquer adulto. Da mesma maneira que um adulto pode ficar na rua, mais tarde, o menor pode. Desde que seja uma coisa normal. Desde que os pais dele tenham conhecimento e que ele não esteja fazenda nada de equivocado.
Talvez o direito a liberdade, o direito de ir e vir, veio da constituição, regulamentado no ECA. Direito a convivência familiar era uma coisa que não havia um registro tão específico, a não ser no Código Civil no campo do direito de família. Mas, para esta qualidade de pessoas, como os menores, as crianças e adolescentes, especialmente em situação irregular, destituídos de proteção familiar, eram direitos menos executáveis, menos reais, vamos dizer assim. Existiam e já havia previsão na Constituição, porém não havia meio de torná-los efetivos.
Com o ECA, passou a ver então, definitivamente, o direito à convivência familiar. Por isso que, quando o juiz, diante de uma situação, por exemplo, de adoção, quando alguém requer adoção de uma criação que está para ser adotada, ele tem que olhar primeiro, antes de tirar a criança da família, se não há meios de fazer com que ela realmente fique naquela família. A convivência familiar biológica vem em primeiro lugar.
Em segundo lugar, quando não é possível que as crianças ou adolescentes fiquem na família biológica, busca-se então uma nova família. Trata-se da família substituta, decorrente da adoção. Direito a convivência familiar, nós não tínhamos isso antes do ECA. Quando a criança vai pra adoção, são observados critérios adequados, legais, para que esta adoção aconteça.
Em última análise, é que aparece a figura do abrigo, que também está dentro do contexto de direito a uma convivência familiar. Mas os abrigos eram um pouco desvirtuados. Ainda o são, porque, são estabelecimentos coletivos. Mas hoje está crescendo a idéia. Varginha já, felizmente, está neste programa, no sentido dos projetos casa lar e extinguindo esta idéia de educandários, orfanatos, estabelecimentos coletivos. Casa Lar, como nós temos um projeto bem começado hoje, é uma casa aonde, por determinação da justiça e das leis pertinentes, são abrigados um número máximo de menos. Aqui na nossa cidade, pela legislação, é de até sete crianças ou adolescentes por casa, com uma Mãe Social, treinada adequadamente. É o Município que cuida do treinamento, remunerando as pessoas que vão cuidar da casa.
Elas fazem o mesmo trabalho que uma mãe biológica. Cuida do menino que vai pra escola, de suas roupas, etc. Isso tudo pra tentar criar um ambiente de abrigo, mas, o mais familiar possível. Tudo isso, são decorrências do ECA.


D) O que são os crimes e infrações administrativas praticadas contra a criança e o adolescente por ação, ou omissão sem prejuízo do disposto na legislação penal?

Nós vamos separar crimes e infrações administrativas.
Crimes são condutas praticadas por adultos, maiores de dezoito anos, em prejuízo de menores. Quaisquer que sejam eles. Na verdade são infrações penais, no campo, por exemplo, da sexualidade, da liberdade sexual. Existem muitos: estupro e outros tantos, que um adulto pode praticar, em desaproveito e prejuízo de um menor, e vai responder, por conta desta infração de acordo com a legislação, seja o Código Penal ou leis esparsas. Em alguns casos equiparam-se a umas condutas até hediondas. O menor, vítima do crime, ele é objeto de proteção e de assistência no acompanhamento familiar, através do Conselho Tutelar. Não raro do serviço social da Vara da Infância Juventude e da própria Vara, do próprio Juiz. Ou do Juízo da Infância e Juventude, composto pelo Juiz e pelo Promotor da área específica.
Então os crimes são condutas previstas com penas. Onde se busca cercear a liberdade de quem, de algum modo, os pratica.
As infrações administrativas, são uma outra modalidade de descumprimento de regras, afetas a proteção dos interesses de menores. Neste caso, não trazem como sanção a detenção, a reclusão, a sanção penal, como é o caso dos crimes.
As infrações administrativas, são também praticadas, são fatos ou atos praticados por adultos, em prejuízo de menores, mas, cuja a gravidade, não é do tamanho daquela quando ocorre o crime. Por isso a resposta do Estado não é a imposição de uma pena, como sanção penal, mas, como multa pecuniária, sanção pecuniária. Pode ser uma multa ou em alguns casos, o fechamento do estabelecimento que descumpre.
Que estabelecimento são estes? Tratam-se de hotéis, motéis, fliperamas, Lan-House, boates, clubes e todos estes lugares aonde pode haver a frequência de menores.
Existem regras específicas para que eles observem. E a inobservância destas regras, pode render uma autuação pelos comissários de menores. Daí existe a abertura de um processo administrativo, para apurar e sentenciar. O sentença define se estes estabelecimentos irão pagar multa, se vão ser fechados, provisório ou definitivamente. Então, estas são as diferenças básicas entre crime e infração administrativa praticadas sempre por adultos em prejuízo de menores.


E) Considerando-se os direitos fundamentais, os crimes e as infrações administrativas previstas nos Estatuto, quais são as violações de direito mais comuns no país, ou mesmo na nossa cidade, com que frequência elas acontecem?

Em termos de crimes, e a mídia tem mostrado bastante, lamentavelmente tem sido, no Brasil e fora daqui, os crimes do campo sexual, os abusos sexuais.
São abusos por parte de terceiros e até mesmo dentro da própria casa. Nós estamos vendo aí casos espantosos, como no caso que a imprensa noticiou, do pai convivendo maritalmente com filha.
Existem inúmeros outros tantos, mas, o que tem se repetido e tem aumentado, é essa fome, essa coisa desesperada por práticas sexuais sem controle. E mais do que sem controle, criminosas, trazendo como vítimas menores. Não só do sexo feminino, mas às vezes do sexo masculino.
É uma mostra de enorme desvirtuamento por que passa a sociedade humana. Nós não conseguimos nem explicar isso: como pessoas adultas, e muito menos, pessoas adultas parentes, quando não pais, possam praticar atos sexuais de qualquer natureza, abusando de menores, de crianças e as vezes dos seus próprios filhos.
o lado disso, tem aparecido ainda neste campo, a luta contra a pedofilia, que também está aí pela internet. Essas mesmas infrações então sendo praticadas, com o instrumento da internet, angariando menores, tudo mais, para a prostituição infantil.
Problema social, falta de dinheiro, falta de condições financeiras nas famílias, é aí que as meninas, principalmente as mocinhas, ficam envolvidas.
Então, veja-se que, o que mais se destacam são as questões no campo de crimes de natureza sexual.
Existe também a violência. Trata-se de uma cultura perniciosa da família, de pais ainda acharem que podem e devem tirar sangue, espancar, machucar o filho e corrigir desta forma. Ocorrem muitos casos, um número considerado enorme, no campo de violência familiar, e às vezes fora da família. Estes são os destaques maiores que a gente observa no campo de crimes.
Infrações administrativas, a gente verifica o aumento cada vez mais da ocorrência, que coloca de um lado os interesses da economia de certos empresários, inescrupulosos, e o interesse dos menores do outro lado, deixado ao léu. Eu me refiro a estas casas, estes estabelecimentos que promovem shows. Boates, às vezes bares, mas sempre com ambientes fechados, que buscam explorar o homem, a pessoa humana, em fase de formação. Os menores querem se divertir. Isso é natural, é normal. Mas tais estabelecimentos acabam não dando atenção necessária para os interesses dos menores. Nestes ambientes entram com facilidades drogas, servem bebidas alcoólicas, ou pelo menos, mesmo que não sirvam diretamente, não se preocupam muito com a fiscalização. Então essas infrações tem sido um número considerável. O empresário promovente de shows, não pensa muito no interesse dos menores, ele pensa em ganhar o seu dinheiro e aumentar a sua arrecadação. Então por conta disso, tem havido muitas autuações, bastantes processos. Muita gente multada, alguns estabelecimento fechados transitoriamente, ao menos transitoriamente, e em alguns casos definitivamente, por conta de não observarem as regras relativamente ao interesses de menores. Existem outras situações, mas, as que mais chamam a atenção, no campo das infrações administrativas, são essas: menores consumindo bebida alcoólica, que na verdade é até contravenção penal.
Quando um adulto, num bar, num estabelecimento serve ou permite que o menor tome bebidas no seu ambiente, está cometendo no mínimo uma contravenção penal e pode ao lado disso, estar cometendo uma infração administrativa também.


F) Quais são as ações previstas no estatuto para promover e proteger o direito das crianças e adolescentes?

Nós temos dois tipos de ações mais específicas.
Temos a ação chamada Ação Coletiva, onde o próprio estatuto prevê que o Ministério Público a promova, quando haja descumprimento de regras dos menores como um todo. Aquela questão própria das ações coletivas, por conta de uma municipalidade, por conta de situações que não digam respeito caso a caso dos menores.
Do outro lado, temos as ações através dos órgãos da Infância e Juventude. No caso em concreto,o chamado Comissariado de Menores, que são pessoas voluntárias ou não, existem alguns efetivos, outros voluntários, a maioria voluntários, que atuam e fiscalizam exclusivamente no âmbito das infrações administrativas. Eles se deslocam até os estabelecimentos, e se for o caso, promovem a autuação. Na sequência, abre-se o processo na Justiça Comum, onde estes estabelecimentos podem ser multados ou fechados.
Então são ações judiciais que são postas a serviço do interesse dos menores.
Quando há o crime, contra o menor, o Ministério Público também vai tomar as providências que sejam pertinentes.
E no campo pessoal, particular, pode acontecer que ao lado da atuação de ofício do Estado, nestas medidas do comissariado de menores, dos Conselhos Tutelares, do MP, com suas ações, cada família, cada pessoa pode mover sua própria ação, para pedir indenização por danos materiais, ou morais, por exemplo, contra um estabelecimento que não obedeçam as regras de menores e permita que o filho dele fique lá, além do normal, podendo causar um dano. Depende do caso concreto, mas existem as ações comuns, ações civis normais, individuais, para que cada família, cada representante legal, do adolescente ou criança possa tomar providencia junto à justiça comum para este propósito.


G) Que estrutura fundamental o Estatuto criou para promover a proteção integral e a municipalização do atendimento das crianças e adolescentes?

Realmente este é um dos nossos defeitos. Apesar de termos uma legislação menorista muito boa, muito avançada, a estrutura para proteção dos interesses da criança e do adolescente ainda é deficiente.
É deficiente no campo dos abrigos. Ainda falta muita coisa para os menores sem condição familiar, destituídos de proteção familiar, de abrigos, casas lares e projetos deste tipo.
A estrutura é deficiente no campo do ato infracional. Nós não temos estabelecimentos. Eu diria que ainda falta muito. Precisa de muita vontade política. Não falta dinheiro, é mais uma questão de opção política dos governantes. O judiciário não entra nisso. Nós não temos esta opção política pra construir abrigos, para construir estabelecimento para cumprimento de medidas sócio-educativas. Por exemplo, em Varginha, nós tentamos alguma coisa com a ajuda do Município, e ele tem ajudado. Como não tem outros estabelecimento aqui, nem mesmo pra internação, quando são coisas mais graves, eu tenho que me socorrer de uma cela especial do presídio, com o pessoal do presídio, com assistência do Conselho Tutelar, assistência da família, e cuidados especiais, por tempo também limitado. Então os casos mais graves a gente acaba tendo que se socorrer deste tipo de estrutura que é o próprio presídio do estado. Mas nós temos aqui o PAI, que é um Programa de Assistência ao Adolescente Infrator, que é do município em convênio conosco, pra menores, com infrações de porte médio. Então eles vão lá e vão cumprir uma medida. Vão aprender e tem em recreação. E temos tido boas notícias na área de informática. Mas são obrigado a ir. Se não for e não cumprir poderão correr o risco de uma internação.
Temos usado um instituto um pouco atípico, mas que tem ajudado muito, que é o acautelamento domiciliar, ou seja, tira a liberdade do menor e o põe sob a custódia do pai e da mãe. Isso no campo de ato infracional, evidente. Se ele descumprir, pode ir pra uma cela especial no presídio. Então, veja-se que temos improvisado, e quando se fala de improviso mostra que a estrutura originária está defeituosa. Está muito falha, lamentavelmente esta é uma realidade.


H) Há polêmica acerca das ações entre condição etária e imputabilidade penal. Qual sua opinião a respeito do ordenamento jurídico que preza apenas o fator biológico?

Essa é uma questão das mais polêmicas: a responsabilidade, a idade da responsabilidade penal. Há uma pressa enorme na sociedade, notadamente na sociedade brasileira, para que se diminua a responsabilidade penal. Dezoito anos para dezesseis, para dezessete, quinze, não se sabe. Mas querem responsabilizar penalmente o menor de quinze ou dezesseis a dezessete. Porque acreditam que ele sabe realmente tudo que faz. Que tem consciência do certo e do errado. Eu não discuto isso, até serve para que no caso concreto, que muito deles realmente parecem ter condições gerais, familiares, sociais, culturais, para saber o que realmente fizeram. Mas a questão não é só essa. Se baseiam muito no costume, nas leis e nos atos europeus, no hemisfério norte do planeta. Mas este é um perigo, por que a Inglaterra, por exemplo, permite que um menino de onze, doze anos vá aos tribunais, responder por infração penal, quase que se assimilando a situação do crime do adulto. Mas, há uma diferença muito grande em termos de econômicos, culturais e sociais, entre o norte e o sul do planeta. Nossos meninos, nossos jovens, que estão até mais informados hoje, é certo, é seguro, pois, internet, a televisão e toda forma de mídia estão aí. Mas, é meio que enganoso que este nível de informação de que eles têm, seja suficiente para que eles tenham consciência de tudo que fazem. É uma coisa muito delicada. É uma coisa que pode ser objeto de modificação. Provavelmente será modificada a idade da responsabilidade penal. Deverá diminuir aí numa próxima alteração na Constituição, mas o que se sugere é que não se apresse. Que não se leve em conta só porque teve um caso isolado, praticado por um menor. Um caso drástico, um caso muito grave, ou outro, e generalizar a situação. O Código Penal Militar, eu sempre cito isso, oferece uma saída das mais importantes e que talvez pudesse ser pensada para as questões afetas à responsabilidade do menor, e a responsabilidade até mesmo do adulto. É fugir um pouco da matemática, dezoito anos, dezessete anos, dezesseis anos, ninguém sabe disso, ou pouca gente sabe, que o Código Penal Militar, ao estabelecer a responsabilidade penal pra quem comete um crime militar, ele abre uma oportunidade, uma regra lá, para que no caso concreto o juiz, tendo dúvida, submeta o autor da infração a uma perícia com o médico psiquiatra, psicólogo, para que estes profissionais, digam, reafirmem pro juiz,que este autor de infração tem ou não tem condição de responder. Assim, se consegue ser mais justo num caso como este.
Há situações que o juiz não tem dúvidas. Pelo contexto histórico, social, cultural, econômico, ele percebe logo que aquele rapaz, aquele jovem tem condição de responder por seus atos.
Outras já não são da mesma forma. Essa dúvida, às vezes, o próprio juiz criminal tem lá com uma pessoa de 18 anos. Só porque fez dezoito anos está resolvida a questão. Não é bem assim.
Nós não temos isso ainda hoje, ou seja, deixar que a lei ainda fixe, ainda que ela baixe pra dezesseis anos, pra dezessete, eu não sei, a responsabilidade penal, mas abrir uma porta para que num caso de dúvida, a defesa provoque, ou o MP provoque, ou o juiz de ofício, mande fazer uma perícia, uma avaliação, e chegue ao lugar mais adequado, porque é um assunto muito polêmico, com muitas variantes, inclusive de acordo com cada local do planeta. De acordo com a cultura, uma série de fatores. Eu costume sempre dizer, direito social, é ciência humana. Idade é matemática, é ciência exata, e o casamento de ciência com exatas nesta hora é muito perigoso. Precisa muito cuidado com isso: dizer que quem tem dezoito anos tem consciência, ou que quem tem dezesseis não tem. Também não é bem assim. Às vezes sabe, então precisamos sempre analisar o caso concreto. Apesar de que nós temos a regra da lei, e pra alterar isso, tem que modificar a própria Constituição, onde estabelece idade de responsabilidade penal pra dezoito anos.


I) Como Pode um inimputável penal votar em eleições, plebiscitos e referendos?

Isso faz parte desta discussão. Faz parte até do desenvolvimento desta discussão. Porque aqueles que querem modificar a idade da responsabilidade penal, invocam essa situação. Ora, se o legislador constitucional já entendeu que o menino, ou a jovem de mais de dezesseis anos, pode votar, pode exercer direito político, então já é um sinal consideravelmente forte de que pode e deve-se mexer. Tanto, que eu não disse que por conta de aqui no hemisfério sul, nós temos menos cultura, menos condições sociais, econômicas, que deva ficar em dezoito anos. Não é isso. O que eu quis dizer, é que precisa inquirir mais, e deixar essas possibilidades pro juiz num caso concreto. Mesmo que se fixe uma regra, dezesseis, dezessete, mas pro magistrado, na dúvida, fazer uma avaliação, inclusive partindo deste pressuposto, porque já tem um sinal, de que se o menor já pode escolher, tem consciência pra escolher, tem direitos políticos com dezesseis anos, então é preciso ver que ele poderá ter responsabilidade penal.
Tudo isso decorre do progresso da ciência, principalmente a mídia. A informação aumentou muito. A internet, a televisão, jornais, o acesso a informação é muito grande. Então, o menino de 13 anos hoje, é muito diferente do menino de 13 anos, de 15 anos atrás. Basta conviver com ele. Os pais, sabem disso, os avós muito mais. Então, o desenvolvimento, o progresso, a tecnologia, a própria ciência conduz a essas modificações. Mas tem que ser sempre muito cuidadoso quando você vai modificar uma regra legal. Que vai criar uma matemática, uma idade certa pra tirar eventualmente a liberdade de alguém que você não sabe se realmente está em condição de saber exatamente o que ele fez, e as consequências do que fez.


J) Junto ao trabalho do judiciário, especialmente na vara de Infância e Juventude, surge a figura do assistente social e do psicólogo. Em que momento isso ocorre e qual a importância do trabalho de ambos os profissionais?

Eu sempre digo pra equipe minha aqui, nossa equipe, do serviço psicossocial, que eu não sei como é que o juiz fazia antes de termos assistentes sociais e psicólogos pra ajudar. Mas a gente fazia, porque eu trabalhei algum tempo assim. Às vezes socorríamos, pra improvisar um estudo social, do oficial de justiça. Pedíamos que ele fosse até lá e visse como estava o quadro social em determinados casos.
Eu acho que é uma pergunta que a realidade responde por si. São profissionais de nível superior, treinados, preparados para aquilo. Não só na formação da graduação deles, mas principalmente por causa do concurso, pra que eles pudessem acessar o cargo publico de Psicólogo Judicial, Assistentes Sociais Judiciais.
A própria experiência do dia-dia, mostra que eles ajudam demais. Quando você vai fazer uma transição, por exemplo, tem que às vezes tirar uma criança que esteja no seio de uma família completamente desestruturada. Com o pai drogado, separado, mãe bêbada, criança em situação calamitosa. Toda transição que o juiz faz com uma criança, hoje, ele sabe que aquilo pode ser acompanhado por uma assistente social ou psicólogo judicial.
São pessoas com formação própria para aquilo. Vieram pra ajudar a humanizar. Acho que a expressão certa é essa. A figura do serviço social, e da psicologia social hoje, é o que passou a permitir que o juiz pudesse contar com uma forma de humanização a mais, no campo da infância e juventude.
Esta humanização não existia antes. Ela tinha que existir e ela ficava por conta da visão do juiz aqui no gabinete, no fórum. Sem saber o que está realmente acontecendo lá fora.
Então, eu acho que a conquista da presença destes profissionais numa Vara de Infância e Juventude, e até mesmo numa Vara de Família, é o fator da humanização. Essa presença veio pra facilitar mais. Para que a gente, juízes, tratasse seres humanos de forma mais humana, e errar menos nas nossas decisões. Porque eu digo: o importante não é acertar 100%, eu só procuro errar o menos possível.


K) No caso de internação de estabelecimento sócio-educacional, chamados "reformatórios", como se dá a recuperação do menor delinquente? Há uma efetiva reintegração à sociedade?

Esta se liga no problema da estrutura, ou da desestrutura. Nossos estabelecimentos são poucos, ou quase nada. E aqueles poucos que existem, eu estou certo, de que eles não têm o necessário de pessoal para cuidar da verdadeira reintegração.
Há muito boa vontade Há profissionais dos mais sérios, nos poucos estabelecimentos que o país conta. Mas, falta muita condição pra isso. Então nós não conseguimos falar isso com alegria. Ou seja, não temos como falar que estes estabelecimentos de internação, como vocês chamaram, é quase um pré-conceito, de "REFORMATÓRIOS", mas na verdade são estabelecimentos para execução de medida sócio-educativa. E veja que até mesmo preconceito ainda continua por aí afora. Porque não tem a cultura dos estabelecimentos próprios para aplicação desta medida. Lamentavelmente, temos que remeter isso ao Executivo, ao Legislativo. Talvez, mais o Executivo para que ele gerencie suas verbas, seu orçamento. Para que estruture e invista nestes estabelecimentos que trabalham com menores, sejam no campo dos abrigos, dos destituídos da família, seja no campo dos que tem que ser internados, por conta de prática de atos infracionais.


L) O direito da criança está intrinsecamente ligado ao valor do direito da família como um direito publicizado, em que o Estado interfere na educação familiar. Como ele é encarado e recebido em situações familiares conflitantes?

Situações familiares conflitantes, eu vou por aspas nesta questão que aqui está. Eu tenho tido o cuidado, de que em cada audiência de apresentação de um menor ator de ato infracional ou em toda situação de distúrbios praticados aí por menores, realizar uma pesquisa, ou pelo menos uma análise, uma conscientização da causa. Tenho olhado isso. Não resolvo muita coisa em termo de causa, mas eu tenho procurado examinar isso. E é logo, temos percebido, não só eu como outros colegas juízes, que situações familiares conflitantes são as principais causas que conduzem esses meninos e essas meninas a este estado. Sejam aqueles abandonados, sem condição, sem família, sejam os praticantes de ato infracional. Porque você vai vendo a base de todos estes distúrbios, estes desacertos na vida dos menores, que são: pais separados, que usam os filhos como forma de atingir o outro. A mãe tenta atingir o pai, ou pai atingir a mãe. Os resultados disso, maltratam o aspecto psicológico dos seus filhos. Então, em virtude também de separações, as famílias estão cada vezes mais desestruturadas. Drogas invadido o planeta como um todo. Atingindo não só os pais, mas também os filhos. Pais, no aspecto sócio-econômico cultural, não conseguem acompanhar seus filhos, não conseguem saber onde estão, o que está acontecendo. E lá, de repente começa aquela conduta perniciosa de ir a boatizinha, em ambientes ruins, em más companhias. Tudo passa pela desestrutura da família. Essa é a causa maior e preponderante em todos os atos infracionais que julgamos aqui. E essas crianças que estão nas casas lares, e outros estabelecimentos, tudo passa por desestrutura, social, econômica, cultural e até do ponto de vista espiritual, de que eu não deixo de chamar a atenção, por que os valores morais, éticos e sociais, estão aí destroçados,. É só assistir, ligar a tv, ler o jornal, se verifica o que eu estou falando.
O pai é capaz de fazer a filhinha dele de mulher. O vovô é capaz de abusar sexualmente da criança e assim sucessivamente. Então os valores éticos, morais e espirituais estão ausentes da família. Eles não estão se preocupando. Ou quase ausente. Ou de quase todas as famílias. Então eu imagino que se, se pensa em modificar isso a longo prazo, a médio prazo, é preciso começar ontem. Na revalorização da família, no investimento da família na sua base. Acertando a família, promovendo socialmente e culturalmente a família, se se dá um mínimo de condição para se cuidar da saúde da família, esse problemas certamente que vão acabando pouco a pouco. Eu não diria acabar, porque são problemas da humanidade. Mas vão diminuir muito. As causas de todos estes problemas que nós falamos nesta entrevista, estão nestas situações familiares conflitantes.

E como fiz com a outra turma, cumprimentando a vocês, professores e mestres com iniciativas como estas, porque a partir do conhecimento de situações como estas, exatamente na fonte onde os problemas aparecem, aqueles que aparecem, porque muitos deles nem aparecem aqui pra nós, é que vocês vão tendo uma formação que deve ir além de conhecer leis, além de conhecer códigos, além de conhecer artigos, etc.
Devem hoje, os profissionais do direito, e estão sendo muito cobrados, inclusive para concursos, no aspecto do conhecimento humanístico de saber como é a vida, porque não adianta ter uma cultura enorme, ter dez mil livros na cabeça e ser juiz, e ser promotor, ser advogado, se ele não tiver uma formação humanística, ele vai causar é muito mais dano do que o contrário.
Até um profissional renomado no campo da magistratura, e dos operadores do direito, dizia assim: “- O bom operador do direito é aquele que tem 20% de conhecimento jurídico e 80% de bom senso.

Varginha, março de 2009.

2 comentários:

  1. Achei muito interessante a entrevista com Dr. José Donizetti.
    Estou preocupado pois após diversas denuncias ao Conselho Tutelar contra uma mãe, que pratica diversos maltratos contra os 3 filhos, nada aconteceu, pois a mãe tem ligações com os membros do conselho tutelar.
    Poderiam me passar e-mail do Dr. José Donizetti Franco, ou endereço ou telefone para eu buscar uma solução para o nosso caso.
    Agradeço a todos.
    Meu e-mail é jroliva@bol.com.br

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    1. Você pode ir ao Forum da cidade e falar com o promotor.
      Não tenho telefone que me pede. Se você for ao forum sera atendida pelo promotor e ele tomara as decisões nessesárias.

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