terça-feira, 5 de maio de 2009

VIGIAR E PUNIR: EDUCAÇÃO E PARADIGMAS DE ÉPOCA

VIGIAR E PUNIR: EDUCAÇÃO E PARADIGMAS DE ÉPOCA


Por Elias Celso Galvêas

Neste capítulo I, do livro “Vigiar e Punir”, Foucault discorre sobre disciplina e obediência, enfatizando diferentes tipos de organização para alcançar os melhores resultados. Ele compara, no tempo, as metodologias educativas prevalecentes nos séculos XVII e XVIII.
De um modo geral, Foucault examina quatro segmentos diferentes, que são estudados “nos mínimos detalhes”, como ele mesmo ressalta. Estes segmentos são: as corporações militares; as instituições escolares; as fábricas; e as ordens religiosas.
O título deste primeiro capítulo é: “Os Corpos Dóceis”, significando o tipo de organização que, através de sua estrutura disciplinar, transforma - não só o indivíduo como a coletividade – em elementos que, forjados na rigidez disciplinar, tornam-se dóceis e prontamente obedientes ao comando, dentro de uma sociedade extremamente autoritária, controladora e claramente hierarquizada.
Apesar de seu caráter eminentemente descritivo e informativo, onde Foucault procura demonstrar imparcialidade em relação ao que descreve, seu texto pode ser pensado, atualmente, como uma severa crítica à utilização indiscriminada da educação como mero instrumento de reprodução de condições sociais, políticas, econômicas, culturais e organizacionais, que visam à geração de um estado cego e total de controle entre os membros da mesma, objetivando, com isto, a sua sobrevivência e perpetuação, seja ela boa, justa, humana - ou não.
Este modelo de sociedade e seu tipo de educação acabou gerando mais problemas do que soluções, mais infelicidade do que felicidade, mais desequilíbrio do que equilíbrio, enfim, mais neurose do que conhecimento. Estes tipos de sociedades - geradas e representadas por seus respectivos modelos de educação – acabaram por desembocar nos dois mais violentos e sangrentos conflitos históricos da humanidade: as 1ª e 2ª Grandes Guerras Mundiais.
Ao começar pela formação dos soldados e dos exércitos, Foucault observa que a formação física do homem desempenha uma função muito importante. O soldado é selecionado e treinado para ter uma postura inflexível e atlética, ereta, cabeça erguida e peito saliente, de modo a infundir a idéia de um ser bem produzido, forte e capaz.
Paralelamente, o exército é disposto em regimentos e divisões com uma nítida hierarquia de comando, capaz de vigiar a execução das instruções, bem como impôr-se pela força da disciplina. Este modelo de educação militar, arbitrária e autoritária e que prepara os homens para a "guerra", foi, portanto, copiado e transferido para diversas outras instituições sociais, tais como: a escola, a Igreja, a fábrica, a família, etc.
No início do século XVII, diz Foucault, a idéia é que o soldado é, naturalmente, um indivíduo rigoroso, que se destaca pela coragem e pela postura. A seleção é um processo simples de escolha dos indivíduos portadores das qualidades que definem a figura ideal do soldado, ou seja, o modelo de homem poderoso e viril que todo membro da sociedade deveria seguir – ou, ao menos, ter em mente.
A partir da metade do século XVIII, o soldado passou a ser algo fabricado. Inicialmente, ele pode ser um corpo inapto, mas será devidamente treinado e preparado através de exercícios para tornar-se uma máquina, com a postura que se deseja impôr, com a completa fisionomia do soldado.
Em termos de educação da época, são múltiplas e variadas as disciplinas impostas nos exércitos, nas escolas, nos conventos e nas fábricas. Mas, de um modo geral, o elemento básico visa a distribuição hierárquica dos indivíduos dentro do espaço social. E o sistema é o sistema do quadriculamento, onde cada um se define pelo lugar que ocupa na série.
No contexto destas estruturas, a organização e a disciplina nos colégios assemelham-se a dos conventos, o mesmo que nas fábricas. Prevalece o princípio da “clausura”, ou seja, dos grupamentos distribuídos em locais específicos, com reconhecida distribuição geográfica, de acordo com as regras de “localização funcionais”, que facilita o sistema de vigilância e controle mútuos entre os indivíduos.
Numa Europa do século XVII e XVIII, nos primórdios da Revolução Industrial, onde os países começavam a vivenciar uma permanente competição na procura e conquista de mercados capazes de permitir o escoamento de sua produção para o mundo, era natural que o homem vivesse em estado de beligerância crônica e, por isto, todos deviam ser como soldados em alerta contra prováveis conflitos, ou prováveis invasões inimigas. A educação, portanto, servia para formar (ou forjar) estes "soldados” obedientes" que, por sua vez, estariam "preparados" - no contexto da concepção de "preparo" da época - para atuarem prontamente nos seus mais variados setores.

O Controle das atividades
Segundo Foucault, o controle das atividades, nesta época, baseava-se em cinco princípios fundamentais:

1. o horário, não só pela observância restrita das horas de entrada e saída, como também a utilização integral do tempo útil, ou seja, a proibição de que não haja distrações e perda de tempo, com interrupções que prejudiquem a continuidade do trabalho;
2. a elaboração temporal do ato, significando o ritmo coletivo e obrigatório;
3. o corpo e o gesto colocados em correlação, ou seja, o total controle das disciplinas para que nada fique ocioso ou inútil, objetivando o alcance das melhores condições de eficácia e rapidez;
4. a articulação corpo-objeto, com o sentido de disciplinar cada uma das posições que o corpo deve manter com o objeto que manipula;
5. a utilização exaustiva significando que é proibido perder tempo.


A escola de Gobelins
O édito real que criou a “Fábrica dos Gobelins”, em 1667, na Inglaterra, que previa a organização de uma escola em que sessenta crianças selecionadas como bolsistas seriam confiadas a um mestre, a fim de adquirir educação básica. Daí, as crianças passavam ao ciclo de aprendizagem, junto aos mestres da corporação manufatureira e, após seis anos de intensa aprendizagem, adquirem o direito de abrir uma própria loja.
No campo educacional, em relação ao ensino primário, Foucault assinala a prevalência do “Método Lancaster”, no período que vai do século XVIII, até o princípio do século XIX. É o método da escola mútua, segundo o qual se confiava aos alunos mais velhos tarefas simples de fiscalização, depois de controle do trabalho e, por fim, de ensino, isto é, assumiam papel de professores. Assim, os estudantes passavam todo o tempo ocupados - seja aprendendo, seja ensinando.


Educação Clássica e Contemporânea: Mudanças de paradigmas
Atualmente, no campo educacional, nós, homens do novo milênio, estamos passando por um momento de profundas turbulência e transição. Em linhas gerais, isto se deve ao simples fato de que tudo aquilo que servia para a educação do homem dos séculos passados, parecem não mais servir ao homem de hoje.
Os séculos XVII, XVIII, XIX, e boa parte do século XX, caracterizaram-se pela intensa construção das sociedades burocráticas e industriais, onde a educação - aqui descrita por Foucault - vigorava a todo vapor, formando (ou melhor, forjando) o tipo de homem que, com todas as suas peculiaridades, servia ao contexto daquela época específica.
Nos dias de hoje, a impressão que temos é de que a educação parece ter perdido o rumo, posto que sofre uma profunda transição que exige de seus métodos, mentalidade e posturas, mudanças radicais que, por sua vez, se caracterizam por uma total ruptura com os paradigmas da velha educação clássica, burocrática e industrial.
Na verdade, no Brasil, já temos alguma noção do que deve ser feito, mas ainda não sabemos exatamente como educar o homem para a "Era da Informação" que, cada vez mais evidente, emerge em nosso horizonte. Diferentemente dos países do primeiro mundo que lideram as mudanças, o Brasil, como país periférico em desenvolvimento, ainda sofre devido às radicais e profundas transições impostas pelas novas necessidades da Era da Informação.
Assim, nossa mentalidade, modo de pensar, nossas relações sociais, econômicas, políticas e culturais, enfim, nossa maneira de educar, como um todo, ainda se encontra bastante impregnada com nítidas características das sociedades burocráticas industriais do passado, sendo que, no presente momento, esforçamo-nos para realizar esta nossa transição da melhor maneira possível.
Quanto ao trabalho descritivo de Foucault, seria sensato observar que, nos dias atuais, nem mesmo os exércitos poderiam ser educados da forma por ele descrita em seu livro, posto que atualmente lidam com tecnologias de última geração, capazes, por sua vez, de substituir a primitiva força física do velho soldado lanceiro. Desta forma, diferentemente de outras épocas onde a força física era imperativa, mesmo a educação militar precisa, hoje em dia, da formação de um forte e bem formados capital intelectual.
Ademais, também é preciso levar em consideração a enorme plasticidade inerente ao ato de educar, ou seja, as infinitas possibilidades teóricas e metodológicas que, com o acúmulo das experiências educativas, encontra-se, hoje, à disposição dos educadores – possibilidades estas que, por sua vez, são utilizadas de diferentes maneiras, caracterizando, assim, diferentes contextos de época e gerando, conseqüentemente, através do tempo, diferentes tipos de homem e sociedades.
Desta forma, seguindo esta linha de pensamento, poder-se-ia observar que o modelo de educação adequado para um soldado ou um estudante do século XVIII, pode ser mostrar totalmente inadequado – a estas mesmas categorias - alguns séculos mais tarde. Como diria Heráclito, tudo está em permanente transformação, sendo impossível se mergulhar no mesmo rio duas vezes. Portanto, generalizando a teoria da plasticidade educativa, o que é bom para uma sociedade em determinado estágio de sua evolução, pode representar a sua ruína se aplicada em outros contextos de época.
Da mesma forma, qualquer educador que defendesse as idéias descritas por Foucault em seu livro, no contexto histórico e social dos séculos XVII e XVIII, seria muito bem aceito e interpretado, recebendo o apoio da sociedade da época – que, para sobreviver, precisava educar aquele tipo específico de homem. Por outro lado, esta mesma educação - descrita por Foucault - mostrar-se-ia inadequada para a época atual, e seria profundamente criticada por todos os educadores modernos, pois o material humano que precisamos gerar – a fim de manter as sociedades de hoje – apresenta, com certeza, características diametralmente opostas em relação àquele capaz de manter as sociedades geridas pelas gerações passadas.

Referência Bibliográfica

- Foucault, Michel. “Vigiar e Punir”, Editora Vozes, 1999.
- Burns, McNall Edward. “História da Civilização Ocidental”, Volume II, Editora Globo, 1980.
- Galvêas, Elias Celso. “A Atual Necessidade de Convergência dos Saberes Humano”. Jornal de Bairros, suplemento das 5ª feiras do Jornal O Globo, em 30/06/2005.

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